sexta-feira, 9 de abril de 2010

SUPERANDO O BE-A-BÁ DA FONOLETRA

Colegas de Sala de Leitura
É extremamente importante levar este texto para discussão em Centros de Estudos.
A Sala de Leitura tem importante papel no reforço escolar, com o texto literário, mas temos que ter embasamento teórico para fundamentar nossas atuações e discussões em nossas escolas. Este também é nosso papel como formadores de leitores junto aos professores. É a famosa parceria e planejamento conjunto com Direção e Coordenador Pedagógico. Vamos para o "play" e brincar direito.
Abçs a todas e todos
Beth e Regina


Superando o be-a-bá da fonoletra
Ludmila Thomé de Andrade
O senhor João Batista de Oliveira escreveu a este jornal na terça feira, dia 06 de abril, e apresentou sua opinião a respeito das ações sobre a alfabetização no município do Rio de Janeiro. Coloca em campos opostos o Sindicato dos professores do Rio de Janeiro e os professores e diretores de escolas da nossa rede, no que diz respeito à utilização de um método de ensino da língua escrita a crianças cariocas.
Termina seu artigo louvando o fato de que o Brasil incomode-se finalmente com a qualidade da educação. Propõe que se fale de alfabetização. Aceitamos o convite, já não era sem tempo que o debate chegasse aos jornais, pois muito tem sido publicado e discutido pelas instâncias produtoras de conhecimento que vêm se ocupando do tema.
Nem todos os leitores estão atentos para o fato de que o relator das posições em questão (sindicato, de um lado, diretores e professores de outro, secretaria tomando suas providências) é o autor de um método de alfabetização, Alfa e Beto, por ele defendido no artigo. Neste, a metodologia empregada é de caráter estritamente fônico, ou seja, concentrado nos fonemas, considerando cada letra como unidade pedagógica, ou seja, cada lição correspondendo a uma função de representação dos sons de uma língua que esta pode ter. Também é sabido que a nossa Secretaria Municipal de Educação em 2010 implementa, atualmente, a título exploratório, o método Alfa e Beto em um conjunto de 53 escolas, do mesmo modo como vem dando espaço para outras entidades particulares atuarem experimentalmente em conjuntos menores (dez escolas na comunidade da Maré, por exemplo, estão trabalhando este ano com a metodologia de Yvone Mello, também de caráter fônico, chamada Uerê-Mello). No fim deste ano, a SME realizará uma avaliação externa em todas as turmas de 1º ano para identificar o sucesso das diferentes práticas de alfabetização desenvolvidas nas escolas municipais. A escolha por grupos privados em detrimento de produções de instituições educacionais públicas vem se tornando uma constante, recurso cada vez mais utilizado por secretarias do Brasil todo, como é notícia frequente nos jornais.
A secretaria de educação tem justificado suas ações pelos mesmos argumentos utilizados por J. B. Oliveira. Apontam-se: a urgência em agir, diante de um fracasso abissal que grassa em terreno educacional carioca, em contraste com a evidência do sucesso do método em contextos internacionais. De acordo com o presidente do grupo privado Alfa e Beto, as experiências da secretaria, embora impopulares, estariam buscando sanar o grave problema do analfabetismo no Rio de Janeiro e seu método estaria de acordo com o consenso da comunidade científica internacional. Resta saber se estão levando em conta as vozes nacionais de suma seriedade que se ocupam das questões educacionais brasileiras. Apelar para argumentos internacionais sem ouvir o que dizem nossos especialistas educadores tupiniquins parece desmerecer por si a qualidade do próprio argumento.
O método fônico foi utilizado no Brasil em outros tempos. Talvez ainda possua o proclamado sucesso em realidades internacionais que se assemelham sociologicamente a estes tempos de ouro de nossa escola pública, quando esta funcionava bem para a camada elitizada que a freqüentava. Entretanto, lembrar do sucesso desta época é esquecer que nesta ocasião não nos atínhamos aos censos, nos quais se encontrava cravada a estatística de perto da metade da população completamente analfabeta. Muita água rolou, para acompanhar os desdobramentos de nossa escola, que mudou também. Os problemas de países diferentes são muito diferentes. De brasileiros, quem mais entende somos nós, brasileiros. Foi-se o tempo das políticas dos governos militares em que se importavam o que funcionava em contextos dominantes (acordos MEC/EUA) na escola pública dos países de letrados.
Hoje, em exames de avaliação nacionais (Geres, por exemplo) os resultados mostram que a criança até aprende a ler, se ler significar aprender esta relação fundamental de representação sobre o funcionamento das letras e sons, que serve de base à escrita. Entretanto elas são retidas na continuação deste processo. Não empacam na tradução de letras em fonemas, para elas o sistema fonético brasileiro não chega a ser um fantasma, a questão é a leitura e a escrita a serem produzidas na cultura.
O que está sendo deixado de fora do arrazoado do presidente do grupo privado é que esta não é a única proposta elaborada e disponível para a alfabetização no Brasil, muitas outras concorrem com ela. No Brasil, há um investimento maciço da comunidade de pesquisadores em educação a respeito do tema. Grandes centros de pesquisa pertencentes à Rede Nacional de Formação Continuada do Ministério da Educação vêm atuando em programas nacionais, nos diversos estados brasileiros. No Brasil, destacam-se o CEALE, da UFMG, e o CEEL, da UFPE. No Rio de Janeiro, as diversas universidades públicas estão presentes no debate, com grupos de pesquisa e ações de formação de professores como o Proalfa (UFF) e o LEDUC (UFRJ). Pesquisadores ligados a estes grupos e/ou independentes atuam intensa e frequentemente nas produções da ANPED, no GT de alfabetização, leitura e escrita. A discussão sobre a alfabetização escolar de crianças tem trazido várias propostas de princípios, concepções e formas didáticas para o ensino da língua escrita no Brasil, diretamente contextualizadas em nossa cultura, articuladas a nossa forma predominantemente oral de relação com a linguagem e com a língua escrita. Além da importante produção de propostas para a escola, os pesquisadores vêm atuando diretamente nos PNLDs, programas de avaliação dos livros didáticos a serem distribuídos pelo Ministério às escolas brasileiras (na lista de livros aprovados pelo PNLD 2010 de Livros de Alfabetização não consta o método do senhor João Batista), tanto quanto dos PNBEs, nas avaliações dos livros de literatura infantil e juvenil, que chegam às salas de leitura e bibliotecas escolares, bem como em programas de formação continuada, como o Pró-Letramento e o Gestar, dentre muitas outras ações importantes às quais vem comparecendo a Universidade Pública. Congressos, livros e ações têm sido realizadas a respeito das inovações propostas inclusive junto a secretarias. Nestes, o método de alfabetização de hegemonia fônica é atestado como um efetivo retrocesso, afastando as crianças de uma perspectiva cultural, enraizando-as em práticas cognitivas restritivas, de caráter técnico, sem chance de inscrevê-las em qualquer processo de fortalecimento de sua cidadania, de seu crescimento enquanto ser pensante na sociedade brasileira em que vivemos em 2010, na qual a letra ganha dimensões multimidiáticas e plurimodais, para além da fonoletra.
Ludmila Thomé de Andrade é professora da Faculdade de Educação da UFRJ, coordenadora do Laboratório de estudos de linguagem, leitura, escrita e educação (LEDUC), com ampla experiência como coordenadora e formadora de professores alfabetizadores da rede pública carioca em cursos de extensão, especialização e formação continuada de durações as mais variadas.

ESTE É O TEXTO DO PRESIDENTE DO INSTITUTO ALFA E BETO

A Língua é Viva
por João Batista Araujo e Oliveira
Leia artigo escrito pelo Prof. João Batista Araujo e Oliveira, Presidente do Instituto Alfa e Beto, e publicado dia 06 de abril de 2010, no Jornal O Globo.
Sob o pretexto de uma palavra de conotação chula em certas regiões do Rio de Janeiro, voltou à tona, na imprensa, a discussão sobre as questões de alfabetização. Descartemos o pretexto para entrar logo no mérito.
Dos 110 livros usados para desenvolvimento da fluência de leitura num programa de alfabetização adotado em dezenas de escolas, o Sindicato dos Professores identificou uma palavra que, pontualmente, pode ter duplo sentido. Dizendo-se indignado, o Sindicato, em vez de buscar o diálogo, vai à imprensa e à Justiça contra a Secretaria de Educação. 
Examinemos a questão. A palavra usada não é um palavrão, como não o é o sobrenome Pinto. É um diminutivo, um nome que a criança dá ao seu chinelo. O mesmo texto é usado há pelo menos 7 anos, em centenas de municípios, sem  polêmica ou constrangimento. É impossível a qualquer autor driblar todos os sentidos que uma palavra tem, teve ou pode vir a ter em comunidades diferentes da mesma língua.
Vale lembrar que esse Sindicato já agiu assim antes, criticando um texto da cultura popular, reescrito por Cecília Meireles. O processo foi arquivado – mas o arquivamento não foi notícia.  Estamos no mundo do politicamente correto. A acusação é sempre a priori.
Mas o problema não é esse. Se fosse, a discussão se daria nos canais competentes. O que há são reações ao esforço da Secretaria Municipal de Educação no sentido de melhorar o ensino. Nas escolas do Rio, a nota da Prova Brasil na 4ª série vai de 150 a 230 pontos. Este sim é grave problema pedagógico: uma criança é sorteada para uma escola no limite inferior e seu vizinho para a que alcança 230 pontos. Essa dispersão – própria de sistemas sem comando – não é objeto de denúncia, nem suscita interesse da mídia. Só um exemplo: no município de Sobral/CE, a pior escola chega a 170 pontos, e a melhor, a 200. A pior dali, onde 60% dos alunos recebem bolsa família, é melhor que a maioria das escolas do Rio. Lá as orientações da Secretaria chegam às escolas, são implementadas e os resultados aparecem.
Na verdade, a insatisfação do Sindicato – não partilhado por professores e escolas – é a adoção do método fônico. Quem acompanha a evolução da pedagogia, sabe que os métodos fônicos são usados em praticamente todos os países que adotam o Sistema Alfabético de Escrita, são comprovadamente mais eficazes em geral e são mais eficazes que outros métodos para alfabetizar crianças com dificuldades no aprendizado. Recentemente, a Academia Brasileira de Ciências divulgou relatório a esse respeito. A eficácia de um método não depende de torcida da arquibancada. Depende de evidências cumulativas, que se tornam consenso na comunidade científica internacional.
Com base nisso, cabe indagar sobre a responsabilidade de uma Secretaria de Educação perante uma população em que mais da metade dos alunos chega à 4ª série sem compreender o que lê. No caso específico do programa alvo das críticas do Sindicato, a Secretaria consultou as escolas e o implementou onde os diretores o escolheram.
Felizmente o Brasil começa a se incomodar com a qualidade da educação. Felizmente algumas secretarias, como a do Rio, vêm tomando medidas importantes – por vezes impopulares – para melhorar o desempenho de escolas, professores e das crianças. Felizmente os diretores e professores, em sua esmagadora maioria, cultivam o bom senso e buscam o que dá resultado.  Vamos falar de alfabetização?

2 comentários:

  1. A insatisfação é justamente dos professores e da maioria! Sabemos que as mudanças são necessárias, porque o mundo evolui e a educação caminha a passos lentos nessa rede de evoluções.Mas uqeremos ser consultados, ouvidos, tomar parte no processo de mudanças e mudar para melhor. No Guia de Mestres e Doutores da Secretaria há uma vasta lista de profissionais de primeira qualidade, mas ninguém foi consultado.

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  2. PARABÉNS para LEDUC, em especial para a Ludmila! Já era hora dos núcleos e laboratórios de pesquisa em educação se manifestarem sobre a nova política pública implementada para a área, no município do RJ. Penso que todos devem emitir suas opiniões, pareceres e avaliações para que a sociedade se mobilize em torno da questão. Concordo com aqueles que avaliam como retrocesso para a educação escolarizada a adoção do método fônico para o trabalho de alfabetização de nossos alunos. Gostaria de ver essa discussão ampliada. Afinal, lembrando as palavras de Gadotti sobre Paulo Freire, postadas no início deste blog, a Educação é sempre um ato político. Sendo assim, qual o projeto político da atual gestão com o retorno do método fônico e outros retrocessos pedagógicos (onde está o ensino de História?), que até aqui ainda não foram comentados?
    Grande abraço ao pessoal do LEDUC,
    Ana Paula Taveira.

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