Abrimos aqui um novo espaço de interação para os as escolas finalistas e premiadas do concurso ESCOLA DE LEITORES.
Perverso...
Meu estado era de pura ansiedade. Saí de casa com o peso da frustração nos ombros, pois oficialmente estava fora do encontro. Mas nas mãos, bem perto do coração, alem da muleta, carregava a esperança.
Logo que cheguei fiquei feliz em rever a equipe guerreira da Mídia e um presente há muito esperado: Tesouros de Monifa, tesouro desejado desde o seu lançamento, com direito a dedicatória e autógrafo falando de literatura, sonhos coletivos, gritos nos silêncios. Sônia Rosa me deixou “mais feliz do que pinto no lixo”, como se diz por aí...
Fomos para a sala de reunião e, mais feliz ainda fiquei, ao rever Beth Serra, Marisa Borba, Bia, Ninfa Parreira, Nilma Lacerda e Laura Sandroni – puxa, Laura Sandroni ali, tão pertinho, tão íntima! – Quase não respirava... A sala tinha cheiro de literatura, cheiro de sonhos!
Lá estavam também as companheiras de lutas e infortúnios das Salas de Leitura com seus projetos vencedores, independente de serem sete ou dezesseis, trazendo a tiracolo suas angústias para colocar em prática seus projetos e as alegrias do que já foi feito.
Depois de abraçar e beijar as amigas e encontrar uma posição razoável para a perna operada, me atraquei com um livro apresentado por minha amiga e companheira de muitas jornadas, Inêz – O sindicato dos burros, de Fernando Correia da Silva – e de soslaio observava Laura Sandroni, ali, totalmente ao meu alcance... Não pude terminar a leitura do delicioso texto, porque as colegas de Sala de Leitura queriam conversar sobre nossa situação na luta pela sobrevivência das Salas de Leitura Polo e, consequentemente, do projeto Sala de Leitura. Nossa conversa foi interrompida com a abertura do encontro por Beth Serra que falou sobre a importância do encontro com a ideia de rede, trocas, multiplicação. Estão sendo organizados cadernos com o conteúdo dos encontros. A idéia é que sempre saia um texto escrito.
O primeiro momento coube a Nilma Lacerda que nos trouxe em leitura emocionante Felicidade clandestina, de Clarice Lispector. Segundo Beth, a preocupação no encontro era o conteúdo. Momento mágico! Imediatamente comecei a fazer minhas inferências, lembrando de minha infância, meus prazeres literários, minhas descobertas – Dom Casmurro e Machado aos 11 anos e a fuga para lê-lo no telhado do prédio onde morava, com avidez pré-adolescente...
“O quanto a leitura ainda é uma felicidade clandestina para professores, alunos e todas as pessoas?”, pergunta Nilma. Ler por prazer, ler por deleite, ler por necessidade. Fala-nos da literatura como um dos “Direitos Humanos”, e cita um fragmento de poema de Thomás Antônio Gonzaga, mostrando o quanto a disposição dos fonemas em um verso como “Tocar-te de papoulas na floresta” organiza nossas emoções, dá forma ao caos interior de cada um. (“Tês no começo e no fim, cercando os Pês do meio e formando com eles uma sonoridade mágica que contribui para elevar a experiência amorfa ao nível da experiência organizada, figurando o afeto por meio de imagens, que marcam com eficiência a transfiguração do meio natural. A forma permitiu que o conteúdo ganhasse maior significado e ambos juntos aumentaram nossa capacidade de ver e de sentir.” Antonio Candido. O direito à literatura. In:___. Vários escritos. São Paulo: Duas Cidades; Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2004. p. 179)
Eu ainda estava no devaneio das inferências provocadas pela clandestina felicidade provocada por Clarice/Nilma, e, ao mesmo tempo, querendo registrar tudo que ela falava, quando generosamente Nilma nos passa a palavra. E veio a pergunta surpreendente, pelo menos para mim, feita pela colega Marisa Henrique, da E. M. Maria de Jesus Oliveira: “O que explica a paixão pelos livros por uma pessoa que não tem a literatura cultivada no seu dia a dia?” Era seu caso, filha de pais analfabetos, sem acesso a qualquer texto escrito em casa, sem muito incentivo literário na escola que, parece, não possuía biblioteca, em plena área rural onde vivia e estudava.
Nilma cita Jean Jean Hébrard, no artigo “O autodidatismo exemplar. Como Valentin Jamerey-Duval aprendeu a ler?”, em livro de R. Chartier, Práticas de leitura (2. ed. São Paulo: Estação Liberdade, 2001). Diz que não é possível que se aprenda a ler e a escrever sem que se esteja em uma rede de leitura e escrita. Cita também o filme Rua Casas Negras realizado a partir da autobiografia de Joseph Zobel, escritor martinicano (La Rue Cases-Nègres, no original). Conta-nos também sobre um “toque” de Salviano Santiago a partir da expressão usada para a outra menina, a “dona do livro” que tinha um “prazer perverso” – prazer per verso – quase enlouqueci com mais este suporte de conteúdo fornecido ali, de maneira tão especial, porque simples!
Cita Graciliano Ramos, em especial em Infância e Memórias de Cárcere – que fiquei com muita vontade de reler e observar os detalhes citados – Nilma fechou falando-nos da força da literatura, a força da palavra.
Beth também fala, repetindo a pergunta que sempre nos fazemos em nossos Centros de Estudos de Sala de Leitura: Até que ponto os governantes, os poderosos, querem que formemos leitores críticos e conscientes?
Imediatamente pensei: “talvez por isso, seja tão “necessário” acabar com os mediadores de leitura qualificados...” Falei sobre a importância da escola pública neste processo de formação do leitor, em especial da Sala de Leitura. Beth Serra toca num ponto polêmico sobre o qual frequentemente fala e que discordo sempre de sua fala: que as Salas de Leitura deveriam ser chamadas de Biblioteca na escola, pois é o nome referência mundialmente falando. A concepção de Sala de Leitura nas escolas é a de um espaço lúdico, que reúne diferentes meios como possibilidade de leitura de mundo, que tem um potencial de alcance na escola como um todo. E o bom trabalho de Sala de Leitura que procuramos fazer, mostra que dentro da Sala de Leitura há uma biblioteca, valorizando-a especialmente. Quando apresentamos a Sala de Leitura e tudo que ela contém, falamos das diferentes bibliotecas existentes e de suas especificidades, como as bibliotecas públicas municipais, extremamente burocráticas, com acervo pequeno e de baixa qualidade literária muitas vezes; a biblioteca da Faculdade de Letras, um espaço da academia, assim como a ABL; a biblioteca científica da FIOCRUZ; a Biblioteca Nacional, fonte essencialmente de pesquisa. Por isso defendemos o projeto Sala de Leitura como uma proposta de um espaço lúdico de despertamento e formação do leitor escolar.
Alimentados que ficamos, partimos para o segundo momento, que foi a reunião em grupos das escolas com seus orientadores. Duas questões básicas deveriam ser discutidas pelos grupos: o que originou o projeto de cada escola e como as coisas estavam caminhando no seu desenvolvimento, dificuldades e resultados positivos. Em seguida fomos para a plenária onde cada grupo teria um porta-voz para resumir a discussão.
Agora, passo a palavra para aqueles que ficaram de compilar os relatos de cada grupo. Assim, todos terão oportunidade de conhecer e acompanhar um pouco de cada projeto e do desenvolvimento das atividades nas escolas, suas dificuldades e seus prazeres literários. Minha angústia e frustração descritas no início deste texto, se deve ao fato de ter sido deslocada da minha escola de origem, a Leonel Azevedo, para outra escola por conta do anunciado fim das Salas de Leitura Polo. Como tocar o projeto sem sua coordenadora, perguntam todos na escola? Perverso, não? Outras escolas também sofrem com o mesmo problema.
Este espaço agora é, oficialmente, um ponto de encontro do ESCOLA DE LEITORES, é o espaço do compartilhar. Com a palavra os autores!
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