
RETIRADO DO: http://www.flip.org.br/noticias.php?id=756
O
público mais exigente costuma prestar atenção aos intérpretes da
sociedade atual que contribuem para deslocar os debates dos lugares
comuns que restringem as possibilidades de reflexão a velhos paradigmas
ideológicos. O escritor americano Jonathan Franzen é uma dessas
raridades, ainda mais instigante pelo fato de mesclar ensaios
contundentes com ficção de alta densidade psicológica. Não surpreende
que consiga ao mesmo tempo obter sucesso comercial e alcançar alta
reputação entre os críticos.
Em uma das noites mais esperadas da Flip-2012, ele acrescentou a
essas características a capacidade de dialogar de maneira transparente
com alguns dos principais dilemas da produção intelectual contemporânea.
Autor de quatro romances e um conjunto de ensaios reunidos em dois
livros, ele enfrentou os questionamentos de seu anfitrião na mesa 9 da
festa literária, o jornalista e crítico Angel Gurria-Quintana e da
plateia.
A primeira pergunta, com uma referência a sua declarada admiração
por escritores russos, foi sobre a razão de sua escolha por famílias
infelizes como personagens. Franzen observou que, curiosamente, não foi
uma criança problemática: “Minha família era infeliz, mas o que é
realmente infelicidade?”, questionou. “Tolstoi dizia, com alguma
verdade, que se tudo está bem com uma pessoa, por que alguém iria querer
ler sobre ela”? – acrescentou, e lembrou que os escritores tendem a se
afastar da vida comum e a exagerar em tudo.
Depois de repassar suas críticas ferozes ao governo Bush e seus
eleitores, Franzen disse que ficou tão consumido pela raiva em 2004 que
acabou desenhando um personagem republicano como personagem do romance Liberdade.
Acabou transformando a vida desse personagem em um inferno. “Não que
não existam republicanos simpáticos, gentis. Existem”, ironizou,
afirmando que, para ele, a política é como óleo e água – não se
misturam, você agita e a política sempre acaba por cima de tudo.
Sobre a projeção do autor na obra, afirmou diretamente que não
consegue criar um personagem que não seja ele mesmo. Diante da questão
de ter que se tornar um outro escritor, ele guardou um longo silêncio
antes de responder: “Estava só pensando na águia que vinha todos os dias
devorar o fígado de Prometeu. Só que não existe uma águia, sou eu mesmo
comendo meu próprio fígado. Falando sobre isso, parece que escrever é
uma espécie de terapia”, continuou. “A verdade é que eu não precisaria
de terapia se não estivesse tentando escrever um romance”.
Quanto às polêmicas que já provocou, Franzen se deteve no caso
provocado por um artigo que publicou em 1996, falando de sua decepção
com a cultura literária americana, ao observar que revistas como a Time, que já tiveram James Joyce na capa, agora exibem produtores de obras de qualidade discutível. “Como punição, a Time colocou você na capa como ‘o grande escritor americano”, provocou o mediador.
Franzen comentou que o romance mediano praticamente desapareceu
do mercado americano. “Agora existem as superestrelas, as estrelas e os
ninguém. E eu era um ninguém quando escrevi isso”, lembrou, dizendo em
seguida que agora, estranhamente, está do outro lado – “mas
culturalmente me sinto no lado dos ninguém”. Isso começou quando as
grandes editoras foram dominadas pelos contadores, acrescentou.
Ele ainda foi questionado pela plateia se já tinha pensado em
abandonar a literatura. “Não nos últimos dez dias”, respondeu,
corrigindo em seguida: “Na verdade, não nas últimas 72 horas”.
Perguntado se, afinal, não escreve ficção para entreter os leitores,
ponderou que a expressão entretenimento não tem um sentido negativo em
inglês como tem em português. “Então, dizer que o papel do romance é
entreter não é negativo. Hoje em dia, quando encontro um romance de que
gosto, me permito passar um tempo sozinho e me identifico com o
personagem e então tenho oportunidade de olhar para minha própria vida”,
completou. Mas seu diálogo intenso com a plateia que lotava a tenda dos
autores ainda abrigou uma lamentação: “Agora, sinto dizer, o romance
não é mais uma forma dominante na cultura”.
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