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O
 público mais exigente costuma prestar atenção aos intérpretes da 
sociedade atual que contribuem para deslocar os debates dos lugares 
comuns que restringem as possibilidades de reflexão a velhos paradigmas 
ideológicos. O escritor americano Jonathan Franzen é uma dessas 
raridades, ainda mais instigante pelo fato de mesclar ensaios 
contundentes com ficção de alta densidade psicológica. Não surpreende 
que consiga ao mesmo tempo obter sucesso comercial e alcançar alta 
reputação entre os críticos.
Em uma das noites mais esperadas da Flip-2012, ele acrescentou a 
essas características a capacidade de dialogar de maneira transparente 
com alguns dos principais dilemas da produção intelectual contemporânea.
 Autor de quatro romances e um conjunto de ensaios reunidos em dois 
livros, ele enfrentou os questionamentos de seu anfitrião na mesa 9 da 
festa literária, o jornalista e crítico Angel Gurria-Quintana e da 
plateia.
A primeira pergunta, com uma referência a sua declarada admiração
 por escritores russos, foi sobre a razão de sua escolha por famílias 
infelizes como personagens. Franzen observou que, curiosamente, não foi 
uma criança problemática: “Minha família era infeliz, mas o que é 
realmente infelicidade?”, questionou. “Tolstoi dizia, com alguma 
verdade, que se tudo está bem com uma pessoa, por que alguém iria querer
 ler sobre ela”? – acrescentou, e lembrou que os escritores tendem a se 
afastar da vida comum e a exagerar em tudo.
Depois de repassar suas críticas ferozes ao governo Bush e seus 
eleitores, Franzen disse que ficou tão consumido pela raiva em 2004 que 
acabou desenhando um personagem republicano como personagem do romance Liberdade.
 Acabou transformando a vida desse personagem em um inferno. “Não que 
não existam republicanos simpáticos, gentis. Existem”, ironizou, 
afirmando que, para ele, a política é como óleo e água – não se 
misturam, você agita e a política sempre acaba por cima de tudo.
Sobre a projeção do autor na obra, afirmou diretamente que não 
consegue criar um personagem que não seja ele mesmo. Diante da questão 
de ter que se tornar um outro escritor, ele guardou um longo silêncio 
antes de responder: “Estava só pensando na águia que vinha todos os dias
 devorar o fígado de Prometeu. Só que não existe uma águia, sou eu mesmo
 comendo meu próprio fígado. Falando sobre isso, parece que escrever é 
uma espécie de terapia”, continuou. “A verdade é que eu não precisaria 
de terapia se não estivesse tentando escrever um romance”.
Quanto às polêmicas que já provocou, Franzen se deteve no caso 
provocado por um artigo que publicou em 1996, falando de sua decepção 
com a cultura literária americana, ao observar que revistas como a Time, que já tiveram James Joyce na capa, agora exibem produtores de obras de qualidade discutível. “Como punição, a Time colocou você na capa como ‘o grande escritor americano”, provocou o mediador.
Franzen comentou que o romance mediano praticamente desapareceu 
do mercado americano. “Agora existem as superestrelas, as estrelas e os 
ninguém. E eu era um ninguém quando escrevi isso”, lembrou, dizendo em 
seguida que agora, estranhamente, está do outro lado – “mas 
culturalmente me sinto no lado dos ninguém”. Isso começou quando as 
grandes editoras foram dominadas pelos contadores, acrescentou.
Ele ainda foi questionado pela plateia se já tinha pensado em 
abandonar a literatura. “Não nos últimos dez dias”, respondeu, 
corrigindo em seguida: “Na verdade, não nas últimas 72 horas”. 
Perguntado se, afinal, não escreve ficção para entreter os leitores, 
ponderou que a expressão entretenimento não tem um sentido negativo em 
inglês como tem em português. “Então,  dizer que o papel do romance é 
entreter não é negativo. Hoje em dia, quando encontro um romance de que 
gosto, me permito passar um tempo sozinho e me identifico com o 
personagem e então tenho oportunidade de olhar para minha própria vida”,
 completou. Mas seu diálogo intenso com a plateia que lotava a tenda dos
 autores ainda abrigou uma lamentação: “Agora, sinto dizer, o romance 
não é mais uma forma dominante na cultura”.
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