segunda-feira, 29 de abril de 2013

POR QUE PUBLICAR OS CLÁSSICOS

Editor aposta nos ícones da ficção científica para formar leitores do gênero no Brasil

por Diogo Sponchiato

Editora Globo
Já leu Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?. Não? Ok, mas você já assistiu (ou pelo menos ouviu falar) Blade Runner: O Caçador de Androides, certo? É bem provável que não sejam muitos os brasileiros que mergulharam nas páginas do livro de título misterioso de Philip K. Dick, que inspirou o filme de Ridley Scott. Mas, em breve, você terá uma chance de conhecê-lo e se perturbar (e se encantar) com esse autor clássico da ficção científica. A obra será lançada no segundo semestre pela Editora Aleph, principal referência em publicações do gênero no país. Para Adriano Fromer Piazzi, publisher da casa, K. Dick ilustra bem um dos papéis da ficção científica: especular e debater as inquietações humanas em relação ao futuro. Desde que lançou em 2003 Neuromancer — prestigiado livro de William Gibson, uma das fontes do filme Matrix — , a Aleph enveredou para esse nicho que, aos poucos, ganha cada vez mais leitores. Piazzi acredita que muito do preconceito contra o segmento já veio abaixo e, no Brasil, sua valorização se reflete no maior interesse da crítica e da academia. Nessa entrevista, concedida em seu escritório em São Paulo, ele fala dos clássicos e do futuro do gênero e da missão de mostrar ao mundo que ficção científica não se resume a Guerra nas Estrelas e historinhas de robôs. ~


* Desde que vocês começaram a investir nos clássicos de ficção científica, mudou o panorama dos leitores e da crítica no Brasil? 
Sim, o público cresceu significativamente. E isso foi acompanhado de uma valorização da cultura geek. Virou cool ser nerd, ser geek... A ficção científica acompanhou esse processo. Antes era uma coisa mais exclusiva de fã. As pessoas passaram a notar que ela é uma literatura de inspiração, que tem um diferencial, por exemplo, em relação à fantasia, porque se propõe a ser mais realista. Por mais que algo seja absurdo ali, tudo é embasado, tem uma explicação da ciência. Hoje ficou feio não ler Isaac Asimov. Dá pra dizer que é a mesma coisa que não ler Garcia Márquez. Particularmente no Brasil, a ficção científica passou a ganhar atenção da academia, a virar objeto de trabalhos, mestrados. As pessoas estão estudando Philip K. Dick. Afinal, o cara é um filósofo, que usa a ficção científica como pano de fundo. O preconceito contra esse nicho tem diminuído à medida que as pessoas percebem que ele não se resume a Guerra nas Estrelas. Aliás, os puristas nem consideram Guerra nas Estrelas ficção científica. Mas, é fato, ainda tem muita gente que não conhece o gênero e pensa que ele só tem a ver com robôs. 

* Em meio à avalanche tecnológica e imersão digital no mundo de hoje, esse gênero corre o risco de perder o fôlego? 
Ele deve passar por uma mudança. O próprio William Gibson, autor de Neuromancer, diz que não publica mais ficção científica porque o futuro já chegou. Ele passou a escrever, e seus três últimos livros são exemplo disso, o que chama de thriller tecnológico. Suas obras fazem com que o leitor se sinta num universo de ficção científica, mas há estranheza porque aquele também é o seu mundo. Acho que a ficção científica tem sempre mais elementos especulativos do que simplesmente tecnológicos. No livro A Mão Esquerda da Escuridão, da Ursula Le Guin, a viagem espacial, o outro planeta, tudo isso serve de cenário para gerar indagações e criar uma baita história. É verdade que, hoje em dia, autores como Gibson, cujas obras estão impregnadas de tecnologia, devem sentir mais dificuldade. Uma das poucas coisas que não apareceram desde que esses autores escrevem são carros que voam. A questão é que a ficção científica é mais que profética, é inspiracional. Claro que existem as profecias, mas a função nunca foi adivinhar o futuro. Os autores inspiram a partir do que imaginaram. Acho que a abordagem do futuro, como acontece no filme Cloud Atlas, deverá ocorrer mais num sentido ético e moral. 

* Por que vocês priorizam os clássicos e nem tanto autores novos? Os clássicos são fundamentais à formação de leitores. E o Brasil ainda se encontra numa fase de formação de leitores de ficção científica. Poderíamos lançar os novos best sellers, mas acho que não funcionaria tanto. Me desculpe, mas Asimov e Dick têm muito mais fundamentos e profundidade que diversos autores por aí. Muita gente me questiona: por que vocês não lançam autores novos, brasileiros? Eu falo: calma! Eu gostaria de ter o poder econômico de lançar 50 livros de ficção científica por ano e misturar. Antes, esse era um nicho secundário ou abandonado pelas editoras. Por isso, primeiro queríamos devolver os clássicos e lançar aqueles ainda inéditos por aqui. Mas neste ano já começamos a publicar autores mais recentes. 
Editora Globo

FICÇÃO CIENTÍFICA À VISTA 
Dando sequência à publicação de clássicos do gênero, a Aleph lança agora Fluam, Minhas Lágrimas, Disse o Policial, de Philip K. Dick. E, em outubro, chega às livrarias Androides Sonham com Ovelhas Elétricas? numa edição caprichada, com entrevista com o autor e trechos do seu diário. Obras de Isaac Asimov e Frank Herbert também estão previstas. A editora Seguinte aposta na série de sucesso Infinity Ring, sobre viagem no tempo, e a Galera Record anunciou o lançamento de Flashforward, livro de Robert Sawyer que inspirou a série homônima de TV.

Nenhum comentário:

Postar um comentário