Contribuição de Elisabete Almeida,
CANTO BRASILEIRO
( Brasil, rima viril de liberdade. )
CANTO BRASILEIRO
CDA
Brasil:
o nome soa em mim é sino
ardendo fogueira despetalada
em curva de viola
calor de velhas horas no estridor
de coisas novas.
Brasil
meu modo de ser e ver e estar triste e pular
em plena tristeza como se pula alto
sobre água corrente.
Meu país, essa parte de mim fora de mim
constantemente a procurar-me. Se o esqueço
( e esqueço tantas vezes )
volta
em cor, em paisagem
na
polpa da goiaba na abertura
de
vogais
no jogo divertido de esses e erres
e sinto
que
sou mineiro carioca amazonense
coleção de mins entrelaçados.
Sou todos eles e
o
sentimento subterrâneo
de dores criativas e fadigas
que
abriram picadas
criaram bois e mulas e criam búfalos
e trabalham o couro o ferro o diamante o papel o
destino.
Por que Brasil e não
qualquer nome de aventura?
Brasil fiquei sendo serei sendo
nas
escritas do sangue.
Minha arte de viver foi soletrada
em roteiros distantes?
A vida me foi dada em reis e leis?
Me
fizeram e moldaram
em figurinos velhos? Amanheço.
Confuso amanhecer, da alma ofertante
e
angústias sofreadas
injustiças
e fomes e contrastes
e lutas e achados rutilantes
de
riquezas da mente e do trabalho,
meu
passo vai seguindo
no
ziguezague de equívocos,
de esperanças que malogram mas renascem
de sua cinza morna.
Vai comigo meu projeto
entre sombras, minha luz
de bolso me orienta
ou sou eu mesmo o caminho a procurar-se?
Brasa sem brasão brasil paixão
de vida popular em mundo aberto
à confiança dos homens.
Assim
me vejo e toco: brasileiro
sem limites traçados para o amor
humano.
A explosão ingênua de desejos
a sensual vontade de criar
a pressa de revelar a face inédita
a cachoeira, o corisco, o som gritante
o traço americano
o sêmen novo
não
me fazem um ser descompassado.
Brasileiro sou,
moreno irmão do mundo é que me entendo
e livre irmão do mundo
me pretendo.
PÁTRIA MINHA
A MINHA PÁTRIA é como se não fosse, é
íntima
Doçura e vontade de chorar; uma criança
dormindo
É minha pátria. Por isso, no
exílio
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades de minha
pátria.
Se me perguntarem o que é a minha pátria,
direi:
Não sei. De fato, não sei
Como, porque e quando a minha
pátria
Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a
água
Que elaboram e liquefazem a minha
mágoa
Em longas lágrimas amargas.
Vontade de beijar os olhos de minha
pátria
De niná-la, de passar-lhe a mão pelos
cabelos...
Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde) tão
feias
De minha pátria, de minha pátria sem
sapatos
E sem meias, pátria minha
Tão pobrinha!
Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não
tenho
Pátria, eu semente que nasci do
vento
Eu que não vou e não venho, eu que
permaneço
Em contato com a dor do tempo, eu
elemento
De ligação entre a ação e o
pensamento
Eu fio invisível no espaço de todo
adeus
Eu, o sem Deus!
Tenho-te no entanto em mim como um
gemido
De flor; tenho-te como um amor
morrido
A quem se jurou; tenho-te como uma
fé
Sem dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto a
jeito
Nesta sala estrangeira com
lareira
E sem pé-direito.
Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova
Inglaterra
Quando tudo passou a ser infinito e nada
terra
E eu vi "alfa" e "beta" de Centauro escalarem o monte até o
céu
Muitos me surpreenderam parado no campo sem
luz
A espera de ver surgir a Cruz do
sul
Que eu sabia, mas amanheceu...
Fonte de mel, bicho triste, pátria
minha
Amada, idolatrada, salve,
salve!
Que mais doce esperança
acorrentada
O não poder dizer-te:
aguarda...
Não tardo!
Quero rever-te, pátria minha, e
para
Rever-te me esqueci de tudo
Fui cego, estropiado, surdo,
mudo
Vi minha humilde morte cara a
cara
Rasguei poemas, mulheres,
horizontes
Fiquei simples, sem fontes.
Pátria minha... A minha pátria não é florão, nem
ostenta
Lábaro não; a minha pátria é
desolação
De caminhos, a minha pátria é terra
sedenta
E praia branca; a minha pátria é o grande rio
secular
Que bebe nuvem, come terra
E urina mar.
Mais do que a mais garrida a minha pátria
tem
Uma quentura, um querer bem, um
bem
Um "libertas quae sera
temen"
Que um dia traduzi num exame
escrito;
"Liberta que serás
também"
E repito!
Ponho no vento o ouvido e escuto a
brisa
Que brinca em teus cabelos e te
alisa
Pátria minha, e perfuma o teu
chão...
Que vontade me vem de
adormecer-me
Entre teus doces montes, pátria
minha
Atento à fome em tuas entranhas
E ao batuque em tem coração.
Não te direi o nome, pátria
minha
Teu nome é pátria amada, é
patriazinha
Não rima com mãe gentil
Vives em mim como uma filha, que
és
Uma ilha de ternura: a Ilha
Brasil, talvez.
Agora chamarei a amiga cotovia
E pedirei que peça ao rouxinol do
dia
Que peça ao sabiá
Para levar-te presto este
avigrama:
"Pátria minha, saudades de quem te
ama...
Vinicius de Moraes."
Vinicius de Moraes. Poesia. Nossa Senhora de Los
Angeles.
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