domingo, 20 de julho de 2014

O QUE FALAM DE RUBEM ALVES



O Carnaval que passei ao lado de Rubem Alves
Por Sabine Righetti
19/07/14 23:22
Eu nunca tive aula com Rubem Alves. Quando ingressei na Unicamp, recém-formada em jornalismo, para fazer a minha primeira pós, ele já estava aposentado e se dedicava principalmente à literatura. Teve mais de 120 livros publicados e foi colunista da Folha de 2002 a 2011.
Mas quando imagino uma aula do escritor, antropólogo, teólogo e educador que faleceu neste sábado (19), aos 80 anos, não penso em giz e lousa. Penso em troca de ideias e em construção coletiva do conhecimento.
Tive uma pequena amostra do que foi mestre Alves há cerca de dez anos, durante um Carnaval. Naquela época, eu fazia parte de um grupo de estudos de antropologia na Unicamp e viajei com alguns estudantes para o sítio de um docente da universidade, o antropólogo Carlos Rodrigues Brandão, grande amigo de Alves e co-autor, com ele, de “Encantar o mundo pela palavra” (Papirus, 2006).
O objetivo da viagem era fazer uma espécie de “retiro de leituras” especialmente nas áreas de educação, de filosofia e de antropologia. Eu estava me preparando para prestar uma prova do mestrado, então entrei de cabeça na proposta.
Acontece que o tal sítio do professor Brandão, no sul de Minas Gerais, ficava no alto de um montanha de onde se via outra montanha, onde era o sítio de Rubem Alves. De lá saía boas parte dos seus textos, era um lugar inspirador. Na beira da “montanha de Rubem Alves”, como chamavam, havia um lago com um barquinho branco estacionado –que já apareceram, lago e barquinho, em alguns dos seus contos. Parecia um lugar mágico.
Fiquei pensando que deve ter sido lá que Rubem Alves escrevera “O amor que acende a lua” (Papirus, 1999), coletânea de crônicas sobre o amor que foi lançada –e lida por mim– no ano em que comecei a estudar jornalismo. A lua no sul de Minas, aliás, é bem bonita.
Bem, eu e os colegas do grupo fazíamos caminhadas diárias pela região, que é linda, nos intervalos das leituras. Em alguns dos trajetos, contávamos com a companhia do professor Brandão. Às vezes, Alves também dava o ar de sua graça no meio do caminho. Ambos conversavam com os estudantes, indicavam leituras, trocavam ideias. Uma vez conversamos sobre astronomia. Tudo longe de giz, de lousa, de provas, de formalidades.
E eu nunca aprendi tanto.
ESCOLA CHATA
Era justamente isso que Rubem Alves pregava. Nos seus textos, ele pedia o fim da educação “chata”. Sim, aquele formato de escola onde eu estudei e provavelmente você também, cheia de regras, de provas, de metas.
Isso, dizia ele, atrapalha o livre aprendizado, a criatividade, o fluxo das ideias. Nas aulas de mestre Alves todos aprendiam: professor e aluno. Ele sempre dizia que o professor tem de aprender a ouvir os alunos –inclusive as crianças pequeninhas.
Tenho para mim que um bom docente é justamente aquele que se aproxima dos seus estudantes, que os escuta, que se conecta com eles. Esse docente, aliás, será imortal, como dizia o próprio Rubem Alves: “o bom professor sempre continua vivo.” Pois é.
Rubem Alves não morre totalmente porque suas ideias seguem existindo. E quanto mais a escola deixar de ser chata, mais vivo ele estará.

PUBLICADO : http://abecedario.blogfolha.uol.com.br/2014/07/19/o-carnaval-que-passei-ao-lado-do-professor-rubem-alves/


Rubem Alves no rol do românticos-conspiradores’
Paulo Saldaña
sábado 19/07/14 

“A sua vida é coerente com o que escreve, e a sua obra – extensa, diversificada e pautada por uma complexa simplicidade – suscita-me múltiplas leituras.”

Após nove dias de internação, o escritor e educador Rubem Alves faleceu neste sábado, dia 19, em Campinas. O educador português José Pacheco*, escreveu sobre Rubem Alves especialmente para o blog. Confira:
Era eu o privilegiado diretor da Escola da Ponte, quando da visita do Rubem Alves. Não sei se é por acasos que há acasos, mas a visita do Rubem coincidiu com um momento de viragem no projeto e em mim. Estou grato ao Rubem pela oportunidade que me abriu de conhecer a educação que se faz no Brasil e me possibilitar o enfrentamento de novos desafios. Quase quinze anos decorridos sobre a visita à escola, é maior a minha admiração pela obra e vida do meu amigo Rubem. A sua vida é coerente com o que escreve, e a sua obra – extensa, diversificada e pautada por uma complexa simplicidade – suscita-me múltiplas leituras. A sua visão sobre o Brasil das escolas instiga-me a penetrar mais fundo em contraditórias realidades, observadas por um desarmado olhar europeu, que se surpreende perante o ostracismo a que alguns pedagogos brasileiros são remetidos.
O meu mestre Rubem conduziu-me à descoberta de Anísio Teixeira, que, nos anos 30, defendia a necessidade de mudar a escola, para que esta se tornasse um instrumento de mudança social; ao encontrar Lauro Lima, que, na década de 60, fez a reinterpretação brasileira do pensamento de Piaget; a recuperar contributos de Paulo Freire, sobre cuja integração na ortodoxa universidade o Rubem escreveu um “não-parecer”…
Durante o período negro dos governos militares, o Rubem e outros brilhantes pensadores exilaram-se, muitos projetos pereceram. Mas uma nova geração de educadores emerge, uma ruptura paradigmática se anuncia, que não prescinde do património que o Rubem e outros pedagogos nos legaram
Há seres inspirados, que vivem “na contramão da História”, aprendendo a surfar o dilúvio de lixo cultural em que a sociedade e a Escola se afundaram. Poderemos incluir o Rubem no rol desses “românticos-conspiradores”. O próprio Rubem me confirmou a existência desses seres (que o Brecht diria serem indispensáveis), numa carta, de que ouso transcrever um pequeno excerto: “o bom é sentir que a “pia conspiratio” é muito maior do que se imagina. Há milhares de irmãos e irmãs desconhecidos sonhando o mesmo sonho…”
Nas minhas de ambulações pelo Brasil das escolas, verifiquei que Rubem Alves é inspiração para muitos anônimos educadores, que não desistem do sonho das suas vidas e tecem uma rede de fraternidade, fonte de esperança, num Brasil condenado a acreditar que, pela Educação, há-de chegar ao exercício de uma cidadania plena.

* José Pacheco é um educador português que idealizou a Escola da Ponte, localizada em Vila das Aves, próximo da cidade do Porto, Portugal. Educador renomado, professor e escritor, é um dos responsáveis no Brasil do projeto Âncora, em Cotia, que trabalha com os mesmos princípios de gestão democrática e de autonomia dos alunos – os quais fizeram da Escola da Ponte uma referência internacional. Entre suas obras mais recentes está Dicionário de Valores.


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