A homenagem ao poeta e escritor Bartolomeu Campos de Queirós, auto-declarado
um militante da beleza- na FLIP 2012, foi bela como sua trajetória de vida. Uma
mesa composta por suas amigas, admiradoras e companheiras de idéias, organizada
pelo MBL na FLIP 2012, emocionou a platéia. Nilma Lacerda, escritora premiada e
professora da Universidade Federal Fluminense, Ninfa Parreiras, psicanalista,
escritora e pesquisadora do Centro Educacional Anísio Teixeira, e Elizabeth
Serra, Secretária Geral da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil leram
trechos de livros do poeta, falecido em janeiro deste ano, bem como recordaram
suas idéias mais relevantes sobre a importância da literatura e seu
comprometimento com a criação de um país com mais leitores.
Militante também da justiça e da simplicidade, Bartolomeu
contribuiu não só para a literatura, mas para as políticas públicas da leitura
e pela disseminação de valores como solidariedade. Ninfa recordou um episódio
emblemático da trajetória profissional de Bartolomeu. Quando ele foi nomeado presidente do Palácio
das Artes , em Belo Horizonte, institui
uma prática nada convencional: o horário do banho dos meninos de rua no
chafariz do Palácio. O que antes era reprimido pela segurança local virou um
direito. Ele fornecia sabão e xampu às crianças, que enfrentavam a água
gelada. Para aquecer o corpo depois,
servia um lanche de café com leite. Por essa iniciativa, ele ganhou o Prêmio
Gentileza Urbana e tinha muito orgulho desse prêmio. Nilma Lacerda, com a graça
que lhe é característica, leu uma carta escrita por ela a Bartolomeu, em que
traçava intertextualidade com Felicidade Clandestina, de Clarice Lispector, e
relatava a experiência do nascimento de um novo leitor. Elizabeth Serra
ressaltou a importância decisiva que Bartolomeu exerceu em sua trajetória
profissional, e relembrou um encontro antológico entre ele, e Ana Maria
Machado, na FLIP 2011, em mesa promovida pelo MBL. Foi a última participação pública do poeta.
Bartolomeu também foi homenageado em um evento OFF Flip, que
ocorreu na casa SESC, em Paraty. Áurea Alencar, secretária executiva do MBL
recordou como Bartolomeu foi uma figura chave para disseminação do Movimento e
para o engajamento do brasileiros por uma sociedade leitora. “Tecendo o fio da
palavra nasceu o Manifesto, fruto da provocadora inquietude de Bartolomeu.
Passamos a sonhar com ele o sonho de um país mais justo, reconhecendo a
literatura como um direito de todos que ainda não está escrito. Passamos ao ato
e nasceu o Movimento por um Brasil literário, perseguindo a efetivação desse
direito. Às minhas inquietações sobre o percurso do Movimento por um Brasil
Literário tinha ele sempre as devidas palavras que me acalmavam e eu as tenho
de cor, de coração: o Movimento é como uma onda no mar que vai e volta ou mais,
toda mudança que se quer profunda é lenta, dentre outros afagos”, disse Áurea.
A Revista do SESC
realizou uma edição inteiramente dedicada a Bartolomeu. A escritora e
professora Ruth Silviano Brandão escreveu: “O tempo de Bartolomeu é outro,
diferente dos Teóricos. O dele corre, para, muda e mantém as coisas, mesmo que
elas brotem e murchem, de forma diferente nos homens, nos bichos, nas
borboletas”. Francisco Gregório Filho,
um dos fundadores do PROLER e amigo de uma vida inteira de Bartolomeu disse:
“Pelo Brasil afora tínhamos sempre a certeza do sucesso e da repercussão das
palestras do Bartolomeu. Com sua fala mansa e pausada, aprofundava questões
sobre educação e leitura, verdadeiros cursos sobre o exercício da cidadania,
sublinhando de forma contundente a importância das políticas públicas que dessem relevo à leitura. Voz necessária que
permanecerá sempre com os que trabalham nessa área.”
As homenagens não tem fim. Seguirão acontecendo na agenda
literária de 2012, em eventos de norte a sul do Brasil. Bartolomeu, mesmo apos
seu falecimento, segue contribuindo para a criação de uma sociedade leitora e
para o encantamento dos que já amam ler.
http://www.brasilliterario.org.br/noticias/mostra_2010.php?id=150
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Este blog tem por finalidade (ou pretende) servir de apoio na formação continuada dos professores de Sala de Leitura da Rede Municipal de Ensino do Rio de Janeiro, com a presença de textos teóricos e pensamentos de estudiosos e/ou especialistas na área da leitura e da Literatura envolvendo as diferentes linguagens artísticas lidas na escola.
domingo, 25 de novembro de 2012
UM MILITANTE DA BELEZA
sábado, 24 de novembro de 2012
MIA COUTO NO BRASIL
Mia Couto: a literatura como forma de ativismo
13 DE NOVEMBRO DE 20
Em visita ao Brasil, escritor moçambicano fala para pequenas multidões em roteiro inédito — que incluiu saraus da periferia paulistana
Por João Novaes, no Opera Mundi
Amantes da poesia lotaram o Bar do Zé Batidão, na zona sul, para acompanhar a conversa com Mia Couto e o sarau da Cooperifa Sob a laje de um sobrado no Jardim São Luís, bairro de periferia na zona Sul de São Paulo, mais de cem pessoas se acomodavam para escutar atentamente e com confesso deslumbramento uma palestra informal do poeta, biólogo e jornalista moçambicano Mia Couto, autor de obras como “Terra Sonâmbula” (Cia. Das Letras, 1992 (1ª ed.), 208 pgs.), de passagem pelo Brasil para a divulgação de seu mais recente livro, “A Confissão da Leoa” (Cia das Letras, 2012, 256 pgs.).
Em meio aos populares do Bar do Zé Batidão, onde ainda participou de um sarau organizado pelo coletivo Cooperifa, na última quarta-feira (07/11), Mia parecia mais à vontade do que no dia anterior, quando conversou amigavelmente com um público mais elitizado, em uma sala de cinema do Conjunto Nacional, localizado nos Jardins, bairro ‘nobre’ da zona oeste. Nas duas ocasiões, conversou com a reportagem deOpera Mundi.
O perfil pacato e conciliador do escritor não esconde uma vida marcada pela militância, que começou nos anos 1970, quando participou da luta pela independência de Moçambique, quando se juntou à Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique). Hoje, desencantado, não participa mais da vida político-partidária do país (promete nunca mais voltar a se envolver com partidos), mas o ativismo está presente em suas atividades como jornalista, biólogo (dirige uma empresa de estudos sobre impactos ambientais) e, sem dúvida, em suas obras.
Ativismo político “Política é um assunto tão sério que não pode ser deixado só nas mãos dos políticos. Temos de reinventar uma maneira de fazer política, porque isso afeta a nós todos. Faço isso pela via da escrita, da literatura, já que me mantenho jornalista e colaboro com jornais. Também faço intervenções como visitar bairros pobres onde as pessoas não recebem meu tipo de mensagem. Essa é a minha militância”, explica. Atualmente, afirma manter uma distância crítica do governo, controlado pela Frelimo desde a independência, em 1975. Para ele, a proximidade entre o discurso e a prática do partido se distanciaram, mas afirma não haver ressentimento ou sensação de traição, pois considera que esse fenômeno se reproduz em todo o mundo. Ao contrário, se diz grato por seu tempo de militância partidária. “Fazer política hoje exige grande criatividade, temos de saltar fora de modelos, mas o modelo de fazer política faliu. Em todo o lado do mundo. Então é preciso reinventar, ter imaginação. Para ter imaginação é preciso sair fora dos padrões que vemos”.
Nascido António Emílio Leite Couto, filho de um casal de portugueses que já viviam há muitos anos no país africano, Mia cresceu em uma casa colonial na Beira, terceira maior cidade de Moçambique, em um meio rural e próximo do ambiente místico encontrado em algumas de suas histórias.
Na juventude, já morando em Maputo (na época colonial chamada de Lourenço Marques) e começando a ganhar destaque por seus poemas, decidiu estudar medicina. Por diretrizes da luta revolucionária, foi escalado como jornalista na Tribuna, publicando matérias favoráveis à independência – até o jornal ter sido incendiado por colonos portugueses. Lembra que nunca pegou em armas durante a luta pela independência, pois, embora os brancos fossem bem-vindos no movimento, não eram autorizados a atuar como guerrilheiros, mas no serviço clandestino.
Em suas histórias de luta pela independência, Mia lembra de como se alistou clandestinamente na Frelimo. “Havia na época um ritual chamado ‘confissão de sofrimento’, onde cada pessoa para ser aceita contava sua história de vida e todos os fatos que o colonialismo os fez sofrer. Ouvi cada história e me assustava, porque não tinha sofrido tanto quanto eles. Temia que teria de inventar uma história muito sofrida para ser aceito. Quando chegou minha vez de falar, me perguntaram: ‘É você que escreve poesias?’ e respondi que sim. Daí me disseram: ‘Então tudo bem, você pode entrar’”, conta, sempre provocando risos.
Atuação ambiental Sobre seu trabalho com estudos de impacto ambiental, Mia é mais um entre os muitos ativistas moçambicanos a relatar a dificuldade para se encontrar um equilíbrio entre o ativismo nessa área e a agenda desenvolvimentista. Perguntado sobre os problemas que as grandes obras, principalmente relacionadas à mineração, têm causado às populações e ao meio ambiente, ele afirma que o principal problema se encontra na aplicação das leis.
“Moçambique tem uma grande fragilidade institucional que é seguir o que está na lei. O país tem leis, mas não a capacidade para acompanhamento e controle. Isso tem de ser resolvido. Por outro lado, é preciso prestar atenção, pois Moçambique está em uma armadilha grande: entre ficar como está e aceitar aquilo que vem [de fora], o que nem sempre é o melhor. O país lutou muito para atrair investimentos, para que sua imagem criasse simpatia com o grande capital. (…) Deve-se lembrar que a miséria também é um problema ambiental. [Não se pode] deixar os países como Moçambique como estão, como se estivessem bem, quando na verdade eles não estão [Mia criticou em outras ocasiões, assim como neste caso, a corrente que defende que a África deveria permanecer um ‘continente selvagem’]. A miséria gera problemas enormes em Moçambique, tão insustentáveis quanto aos atribuídos à indústria, que muitas vezes é cega”. Para ele, o meio termo deste conflito só pode ser alcançado com o diálogo.
Engajamento poético Entre tantos trabalhos e engajamentos, Mia considera que sua atividade mais importante é dar conselhos e orientações aos jovens moçambicanos que o procuram e manifestam seu desejo de se tornarem poetas. “A condição para o poeta não é que ele escreva bem, mas que tenha uma história a ser contada. A falta de domínio da técnica não deve ser um impedimento para continuar, não deve ser a morte do sonho”, afirma, lamentando que um dos locais onde mais se procure desencorajar essa iniciativa sejam justamente as escolas.
Foi muito aplaudido quando disse essa frase na Cooperifa, já que estava cercado de um público que, por muitas vezes, vê o seu direito a produção intelectual ser alvo de preconceito. “Acredita-se que a periferia pode dar jogador, cantor, dançarino, mas poeta? No sentido de que o poeta não produz só uma arte, mas pensamento…Acho que o grande racismo, a grande maneira de excluir o outro, é dizer que o outro pode produzir o que quiser, até o bonito, mas pensamento próprio, não. E vi aqui que havia um pensamento que está muito vivo e está fazendo acontecer coisas”
sábado, 10 de novembro de 2012
PERECÍVEL, mas indestrutível
Publicado : Folha de S.Paulo, 10/11/2012
Sebos interferem com a sensibilidade de seus frequentadores.
Há quem se compadeça daqueles livros porque acha que, lidos ou não, eles foram desprezados por seus antigos compradores. Para outros, o sebo representa uma gloriosa sobrevida para muitos livros -quem sabe um dia estes não serão tirados das estantes por leitores mais atentos e interessados, que saberão apreciá-los melhor?
Sem falar em tantos livros tão amados, e que só foram parar no sebo por motivo de força maior, como a morte de seus possuidores originais. É comum que, morto o dono da casa, e pela impossibilidade de continuar morando nela, a viúva seja obrigada a se desfazer do recheio ou do próprio imóvel, donde lá se vão os livros. E não há nada demais em que a sobrevida de um livro se deva à morte de alguém. Boa parte dos livros que possuo já pertenceu a uma ou mais pessoas, e, no futuro, pertencerão a terceiros ou quartos -espero.
Uma notícia na Folha, há dias, me calou fundo: a história de Cleuza, 47, a catadora de recicláveis em Mirassol (452 km de São Paulo), que recolhe os livros que encontra no lixo, recupera-os e os leva para uma biblioteca que criou no centro de triagem do lugar. Entre os 300 títulos que já salvou da destruição e empresta ou dá a seus colegas, estão muitos de Machado de Assis, Érico Verissimo e José Saramago. Eu ficaria orgulhoso de ver algum dos meus próprios livros nesse lote.
Há melhor prova de que, por Cleuza, o livro -de papel, tão precário e perecível- será indestrutível?
RUY CASTRO
EDMIR PERROTTI: BIBLIOTECA NÃO É DEPÓSITO DE LIVROS
Idealizador de redes de leitura em escolas diz que é função
do educador ajudar os estudantes a processar as informações do acervo
Desafios como a criação do hábito da leitura entre crianças
e adolescentes, as novidades tecnológicas, a ampliação do acesso ao ensino e a
sofisticação do mercado editorial levaram o professor Edmir Perrotti a uma nova
concepção de biblioteca escolar e de seu papel pedagógico.
Com formação em Biblioteconomia - área que combinou com seu
interesse em Educação -, ele é docente da Escola de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo, conselheiro do Ministério da Educação para a
política de formação de leitores e autor de livros infantis.
Perrotti, orientou a implantação de redes de bibliotecas
inovadoras nas escolas municipais de São Bernardo do Campo, Diadema e
Jaguariúna, no estado de São Paulo. Nessas estações de conhecimento, como ele
prefere chamá-las, a aprendizagem é estimulada pela presença de suportes
tecnológicos, como o computador e a televisão.
Em um ambiente que convida as crianças a descobrir e
aprofundar o prazer da leitura, os livros convivem com outras linguagens, como
a do teatro. "Assim trabalha-se o contato com as informações e também o
processamento delas", diz. Ex-professor da Universidade de Bordeaux, na
França, e de escolas de Ensino Fundamental no Brasil, além de editor e crítico
literário, Perrotti concedeu a seguinte entrevista a NOVA ESCOLA.
O que deve orientar a constituição de uma biblioteca
escolar?
Perrotti: Ela não pode restringir-se a um papel
meramente didático-pedagógico, ou seja, o de dar apoio para o programa dos
professores. Há um eixo educativo que a biblioteca tem de seguir, mas sua
configuração deve extrapolar esse limite, porque o eixo cultural é igualmente
essencial. Isso significa trazer autores para conversar, discutir livros,
formar círculos de leitores, reunir grupos de crianças interessadas num personagem,
num autor ou num tema. A biblioteca funciona como uma ponte entre o ambiente
escolar e o mundo externo.
De que modo se realiza essa abertura para fora da escola?
Perrotti: O responsável pela biblioteca tem o papel de
articular programas com a biblioteca pública e fazer contato com a livraria
mais próxima, além de estar atento à programação cultural da cidade. Há uma
série de estratégias possíveis para inserir a criança num contexto letrado. A
biblioteca precisa ter outra finalidade que não seja simplesmente a de um
depósito de onde se retiram livros que depois são devolvidos. Nós não
trabalhamos mais com a idéia de unidades isoladas. O ideal é formar redes, um
conjunto de espaços que eu chamo de estações de conhecimento, cujo objetivo é a
apropriação do saber pelas crianças.
Qual é a necessidade das redes?
Perrotti: Com o atual excesso de informações e a
multiplicação de suportes, nenhuma biblioteca dá conta de todas as áreas em
profundidade, até porque não haveria recursos para isso. O trabalho tem de ser
compartilhado com outras unidades da rede, por meio de mecanismos de busca
informatizados. Por exemplo: a escola guarda um pequeno acervo inicial sobre
arte, mas, se o interesse for por um conhecimento aprofundado, recorre-se a uma
biblioteca especializada na área. Hoje não há mais condições de manter o antigo
ideal de bibliotecas enciclopédicas, que abarcavam todas as áreas de
conhecimento.
Quem deve ser o responsável pela biblioteca?
Perrotti: Processar as informações e criar nexos entre elas é
um ato educativo. O responsável, portanto, é um educador para a informação, que
nós chamamos de infoeducador, um professor com especialização em processos
documentais. Uma rede de bibliotecas tem uma plataforma de apoio
técnico-especializado, que é a área do bibliotecário, um especialista em
planejamento e organização da informação. Junto com ele trabalham os
educadores, que são especialistas em processos de mediação de informação. Dar
acesso ao acervo não basta para que o aluno saiba selecionar e processar informações
e estabelecer vínculos entre elas.
De que modo se estimula a autonomia numa biblioteca?
Perrotti: É preciso desenvolver programas para construir
competências informacionais. Isso inclui desde ensinar a folhear um livro para crianças bem
pequenas até manejar um computador. Antigamente
imperava a idéia de que os adultos é que deveriam mexer nas máquinas e pegar os
livros na estante. Hoje deve-se formar pessoas que tenham uma atitude
desenvolvida, não só de curiosidade intelectual mas de domínio dos recursos de
informação. Essa é uma questão essencial da nossa época.
Por que a escola tem falhado em ensinar os alunos a
processar informações?
Perrotti: Porque se acredita que basta escolarizar as
crianças para formar leitores. De fato, a escola tem o papel de construir
competências fundamentais para a leitura, mas isso não quer dizer formar
atitude leitora. Hoje, o que distingue o leitor das elites do leitor das massas
é que o primeiro tem um circuito de trocas. Ele participa do comércio simbólico
da escrita, da produção à recepção: sabe o que é publicado, informa-se sobre os
autores, encontra outros leitores etc. Já a criança da escola pública muitas
vezes não tem livros em casa e só lê o que o professor pede. Ela não tem com
quem comentar. Está sozinha nesse comércio das trocas simbólicas.
Qual é o mínimo necessário para o funcionamento de uma
biblioteca escolar?
Perrotti: Estou convencido de que é a pessoa que trabalha
ali, mediando relações entre a criança, a informação e o espaço. Não precisa
ser alguém super especializado, mas que compreenda a função da escrita e da
imagem e que saiba qual é a importância daquilo na vida das pessoas. Assim, a
compra de livros seguirá um critério de escolha consciente. É claro que é bom
construir um ambiente agradável e funcional, mas não é indispensável, porque a
leitura não depende das instalações da biblioteca; ela se dá em qualquer lugar.
Quem deve escolher o acervo?
Perrotti: Nós temos trabalhado um modelo em que a escolha é
feita por todos os que participam dos processos de aprendizagem: professores,
coordenadores, diretores e alunos. Formulários são colocados à disposição para
que sejam feitas sugestões de compra. O infoeducador não só coleta esses dados
como divulga, por meio dos quadros de aviso, as informações sobre lançamentos
que saem na imprensa e na internet. Depois, ele vai analisar os pedidos,
separá-los em categorias livros importantes para os
projetos em andamento, leituras de informação
geral ou complementares etc. e, com
base nessas listas, a escolha é feita de
acordo com os recursos disponíveis.
Como comprometer o aluno com a organização e a manutenção da
biblioteca?
Perrotti: Ele participa da escolha do acervo e também pode
estar pessoalmente representado nele, por meio de livros que ele escreve e de
documentos de sua passagem pela escola. Uma parte do acervo vem da indústria
cultural e outra é produzida internamente, com documentos e relatos referentes
à história da instituição. Formar um repertório de dados locais cria relações
com as informações universais.
Descreva a biblioteca escolar ideal.
Perrotti: É aquela que possui todo tipo de recurso
informacional, do papel ao equipamento eletrônico. O espaço é construído
especialmente para sua finalidade e de acordo com quem vai usar. Se o público
majoritário é infantil, a disposição dos móveis e do acervo deve permitir que a
criança se mova com autonomia. É preciso ser um local acolhedor, mas que
empurre rumo à aventura, porque conhecer é sempre se deslocar.
Por que se diz que os jovens não gostam de ler?
Perrotti: Os interesses mudam na passagem da infância para a
adolescência e a leitura que era feita antes já não interessa tanto, mesmo
porque cresce a concorrência de outras mídias. Essa é uma transição crítica e
ainda não foram definidas ações específicas para promover a leitura nessa faixa
etária. Os adolescentes identificam o livro com as tarefas da escola, que
reforça essa percepção porque raramente sai da abordagem instrumental da
leitura. E no âmbito social, entre os amigos, a leitura não está presente.
Mesmo assim, essa fase é a das grandes paixões. Portanto, há um espaço enorme
para promover a leitura entre os jovens.
É possível formar leitores por meio de políticas públicas?
Perrotti: O problema é saber que caráter elas têm. Eu não
concordo com estratégias que pretendam ensinar os alunos a gostar de ler. A
função do poder público é criar ambientes que dêem condições de ler, tentar
despertar as crianças para as potencialidades da escrita, prepará-las para as
competências leitoras enfim, providenciar para que
seja constituída a trama que sustenta o ato de
ler. Mas gostar de ler é questão
de foro íntimo, não de
políticas públicas.
A escola deve obrigar um aluno a ler livros e freqüentar
bibliotecas mesmo que ele não goste?
Perrotti: Não se pode deixar de perguntar por que esse aluno
não gosta de ler. Ele teve uma relação negativa com a situação de aprendizagem?
Ninguém lê em casa? Tem dificuldades de visão? Não domina o código? Não tem
circuitos culturais a sua volta? Tudo isso pode e deve ser trabalhado. Agora,
se ele teve apoio para experimentar a prática da leitura e prefere fazer outras
coisas, não adianta forçar. É claro que não estou falando da leitura funcional,
indispensável para a vida diária. Nesse caso, é obrigatório negociar com a
criança o "não querer ler".
É melhor ler literatura de má qualidade do que não ler nada?
Perrotti: A pergunta já supõe que de fato existe uma
literatura de má qualidade. Há leitores que são capazes de voar longe com um
suposto mau livro, assim como há muitos trabalhos escolares que se utilizam de
grandes textos, mas sufocam o interesse de aprender. Por outro lado, não é possível
deixar o gosto do leitor imperar sozinho. É fundamental operar mediações entre
as crianças e uma literatura que tenha condições de produzir significações
importantes.
O uso do livro em sala de aula está em decadência?
Perrotti: Ele está aquém do que gostaríamos que fosse e
também do que seria necessário. Mesmo assim, o livro está entrando nas escolas
numa medida que não entrava, nem que seja por meio das distribuições feitas
pelo Ministério da Educação e as secretarias estaduais e municipais. Há 50 anos
nem sequer se sonhava com isso no Brasil. O problema maior é o de mau uso
desses livros, com estratégias impositivas de leitura. Muitas vezes falta
penetrar no avesso dos textos com as crianças e realmente mergulhar numa viagem
de conhecimento, de imaginação.
Até que ponto as bibliotecas levam ao hábito da leitura?
Perrotti: Eu participei de uma pesquisa feita com as crianças
usuárias das redes de biblioteca que ajudei a implantar no estado de São Paulo.
Queríamos saber se elas estão incorporando a leitura a sua prática de vida e
não apenas como lição de casa. Qual é a constatação? Houve um grande avanço e
as crianças se mostram muito mais familiarizadas com os livros, mas
infelizmente ainda não usam as novas competências para trocas culturais. Por
exemplo: não têm o hábito de comprar e emprestar livros. A prática escolar não
se transferiu para a prática cultural.
Há perspectiva de mudança para essa situação?
Perrotti: Eu vejo uma tendência de funcionalização. Os meios
eletrônicos trouxeram, aparentemente, uma presença maior da escrita, mas o uso
que se faz dela é cada vez mais abreviado. Vai-se transformando a língua no
elemento mínimo para a transmissão da mensagem. Nós estamos a anos-luz de
formar pessoas que, ao cabo do período de escolaridade, vão se relacionar com a
escrita como uma ferramenta de conhecimento e de experiências estéticas, numa
dimensão não pragmática. Restringir as ferramentas de linguagem a sua função
utilitária é retirar de nós mesmos aquilo que nos humaniza a capacidade de dizer de uma forma articulada. As novas
bibliotecas têm de enfrentar essa questão.
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