Fui
convidada a falar aqui sobre os aspectos psicológicos da literatura infantil e
juvenil, mas gostaria de falar um pouco sobre a leitura de uma maneira geral,
como um dos caminhos para o conhecer-se a si mesmo. A semana passada participei
de uma mesa no Instituto de Estudos Psicanáliticos onde me perguntaram qual
minha posição em relação a psicanálise. Embora reconheça a enorme importância
da psicanálise como uma possibilidade de leitura do universo humano, tive que
confessar que pessoalmente prefiro ler romances. Sim, prefiro ler romances, não
só pelo profundo prazer que tenho em ler, o que já faz, no meu caso, a leitura
ser minha melhor terapia, mas também porque acredito poder me conhecer melhor,
cada vez que conheço um personagem, compreendo melhor uma emoção, entendo uma
maneira de agir. E digo o mesmo da poesia. A poesia me ensina quem eu sou, ao
mesmo tempo que me socorre e me ampara com o consolo da beleza. Esta é a minha
experiência do prazer estético: "um anjo vem a minha mesa" (Rilke).
Um anjo coloca sua mão apaziguadora sobre a minha testa.
Que posso
eu, viciada em livros como sou, repetir aqui, senão que a literatura é
terapêutica? Todos nós sabemos que ouvir histórias é parte importante do
tratamento médico em algumas culturas. Lembremos na literatura árabe,
Sherazade, que consegue curar um assassino ressentido que matava uma donzela por
dia, com apenas 1001 e uma noites de histórias. Isto dá pouco mais de três
anos. Se me permitem brincar, conheço pessoas que não mataram nenhuma de suas
mulheres e que fazem psicanálise há nove, ainda sem alta.
A
literatura é ainda uma terapia muito econômica, sobretudo se considerarmos a
possibilidade de utilizar nossas bibliotecas. Além do mais, como existem
milhares de livros, nós não somos obrigados a tomar nenhum remédio até o fim.
Se acontecer a síndrome da página 3 ou 21, uma sonolência repentina, uma
dificuldade de concentrar a atenção, basta deixar este livro de lado e buscar
outro. Não há porque fazer do prazer um sacrifício.
Dizem que
conselho ilumina, mas não aquece, e me sinto um pouco canhestra falando do meu
receituário particular. Mas gostaria ainda de fazer o elogio dos contos de
fada, leitura que reservo para os meus momentos mais difíceis e dolorosos,
desde menina até hoje. Acredito que estes contos concentram a mais profunda
sabedoria da psique humana. Acredito ainda que esta sabedoria nos é passada de
graça e que não há nenhuma necessidade de decifrá-los. Dentro de nós, um saber
que não precisa das palavras, é capaz de compreendê-los. Mas se buscamos um
sentido para nossa vida, estes contos claramente nos dão: eles nos falam que
vale apenas atravessar as montanhas, os perigos, em busca do encontro amoroso,
a maior recompensa da aventura humana.
Angela-Lago - Aspectos
psicológicos da literatura infantil e juvenil / BH,junho de 1986
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